Lilia Cabral entra no palco, altíssima e altiva. Pousa seus olhos verdes na platéia e, antes mesmo de emitir uma única palavra, já tem o público na mão, hipnótico. Penso: ela é Mercedes. Não, eu sou Mercedes. Bobagem, Mercedes não existe, é ficção.
Mercedes é o personagem central do meu livro Divã, que deu origem à peça. Já assisti ao espetáculo sete vezes e ainda hoje me divirto, me emociono e o principal: me confundo. Quem são todas estas mulheres numa só, Lilia, Martha ou Mercedes?
Costumamos dizer que todos os homens são iguais, o que sugere que todas as mulheres são diferentes. Mas alto lá! Somos diferentes apenas dentro de nós mesmas, somos múltiplas cada uma. No sábado acordamos apaixonadas, no domingo já não temos tanta certeza. Uma hora damos uma exibição de lucidez e na outra só nos resta a camisa-de-força. Amamos nossos filhos, mas queremos jogá-los pela janela às vezes. Nos sentimos lindas num vestido preto e no dia seguinte nos sentimos gordas, gordas, gordas. A verdade: somos todas iguais em nossa própria loucura. Tem cura essa esquizofrenia?
A cura está no humor.
Porque, sem o riso, só nos resta o drmalhão, o excesso, o desperdício de energia com coisas que sabemos insolucionáveis por natureza. Jamais deixaremos de ficar excitadas diante do novo, somos todas virgens eternas, virgens marias, que acordam pela manhã sem saber que surpresa nos aguarda, perplexas diante das nossas fragilidades, do nosso embaraço, do nosso entusismo por aquilo que ainda não conhecemos. Virgens maduras, virgens malandras, virgens senhoras de si, mas virgens, sempre prontas a experimentar.
Como fazer isso com seriedade militar? Impossível. É preciso se divertir com este emaranhado de sensações que nos atropelam diariamente. Por fora, todas sensatas. Por dentro, todas malucas.
Então a gente ri muito das nossas reações descontroladas, dos nossos conselhos estapafúrdios (conselhos que nós mesmas jamais conseguiríamos seguir), da nossa vigilância eterna (a maioria das mulheres dorme com um olho fechado e o outro aberto), da nossa patetice diante um homem bonito, das nossas exigências desumanas com a gente mesma, a gente ri até dos nossos acessos de choro, porque, se levarmos a sério todo este caleidoscópio emocional, estaremos promovendo nossas insanidadezinhas a um caso grave de patologia, estaremos assinando embaixo da nossa própria internação. E não queremos ficar internadas, queremos continuar soltas. E sortidas. E sortudas.
Assistindo ao Divã, ficou claro que não havia só a Lilia, mas várias mulheres em cima do palco, assim como várias mulheres na platéia e várias mulheres assentadas em mim: todas únicas e iguais em seus infinitos papéis.
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